segunda-feira, 28 de julho de 2008

Analgesia Epidural

Posted on 19:13 by oncare

Alexandre Carrilho

Ass.Grad. Anestesiologia - UCIP - Hospital do Desterro Lisboa, 1999

Introdução

A analgesia epidural é uma técnica de analgesia regional que compreende a administração de fármacos, analgésicos/anestésicos, por via epidural e que tem por fim o tratamento da dor.
Tal como acontece com a anestesia epidural não existem indicações absolutas para este tipo de analgesia, podendo sempre o tratamento da dor ocorrer por via sistémica. No entanto, uma vez que a analgesia por via epidural proporciona uma analgesia excelente sem depressão do estado de consciência, mediante administração de menores doses de analgésicos e com uma menor incidência de efeitos secundários, parece-me ser de toda a utilidade a realização da analgesia epidural no tratamento da dor aguda com origem no tórax, abdómen e membros inferiores.
Para além de analgesia esta técnica proporciona bloqueio autonómico simpático, diminuição da resposta ao stress, melhoria da função respiratória e gastrointestinal, relaxamento da musculatura esquelética, mobilização mais precoce, estabilidade hemodinâmica, e evita os riscos de terapêuticas analgésicas alternativas.1 É particularmente nodoente submetido a grande cirurgia onde estas vantagens se tornam mais evidentes.
No doente crítico, à grande necessidade de analgesia, associa-se uma baixa tolerânciaaos efeitos secundários das técnicas e fármacos analgésicos. Após a alta dos cuidados intensivos 40 a 60% dos doentes referem terem sofrido dores moderadas a intensas.2,3 Um maior reconhecimento da dor no doente crítico associado ao maior conhecimento e compreensão da fisiopatologia da dor, do modo de acção dos fármacos analgésicos e dos mais recentes avanços terapêuticos conduziram a uma diminuição da incidência de dor nos cuidados intensivos e da morbilidade a ela associada.

Indicações

A analgesia epidural está indicada para o tratamento da dor aguda com origem no tórax, abdómen e membros inferiores. Em cuidados intensivos a analgesia epidural adquire particular importância na:
- Dor do pós-operatório de grande cirurgia
- Dor aguda isquémica nos membros inferiores
- Trauma
- Pancreatite aguda
Constituem outras indicações para analgesia epidural o trabalho de parto e algumas situações de dor crónica.A analgesia epidural no pós-operatório proporciona para além de uma excelente
analgesia, uma extubação mais precoce e diminuição de complicações respiratórias, cardiovasculares, infecciosas e tromboembólicas com consequente diminuição da morbilidade e
mortalidade.
A enervação simpática do coração deriva da medula espinhal entre T1 e T5. A analgesia epidural torácica com anestésico local pode bloquear a enervação simpática cardíaca.
Na ausência de hipovolémia o bloqueio simpático estabiliza o sistema cardiovascular atenuando
aumentos da frequência cardíaca e da tensão arterial associados à dor em áreas não bloqueadas.
A vasodilatação leva a uma diminuição do afterload. Estes efeitos podem levar a uma diminuição do trabalho cardíaco e da morbilidade cardiovascular.

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No doente em ventilação espontânea, a incidência de complicações respiratórias como a atelectasia, hipóxia e infecção devem diminuir uma vez que uma boa analgesia aumenta a expansão torácica e a capacidade de tosse. Os índices de função respiratória como o pico de fluxo expiratório e a capacidade residual funcional recuperam mais rapidamente no pósoperatório com analgesia epidural.
Em grande cirurgia abdominal parece haver uma diminuição da incidência de deiscências das anastomoses.
Na dor aguda por isquémia do miocárdio a analgesia epidural torácica pode constituir, em casos seleccionados, uma indicação. Em doentes com doença coronária a analgesia epidural torácica aumenta o fluxo de sangue às áreas isquémicas do miocárdio sem modificar o fluxo de sangue coronário total. A vasoconstrição pós-estenótica é inibida e a relação do fluxo de sangue endocárdio/epicárdio melhora. A analgesia epidural torácica pode melhorar o fornecimento de oxigénio às áreas isquémicas do miocárdio desde que a pressão arterial sistémica se mantenha.

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A analgesia epidural torácica pode ser útil no tratamento da dor cardíaca isquémica refractária.
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Na dor por isquémia dos membros, para além da excelente analgesia proporcionada, o bloqueio simpático leva a melhoria da irrigação dos tecidos isquémicos.
No trauma a analgesia epidural é muito eficaz mas é necessário ter em atenção a grande probabilidade de coexistir, com o trauma do tronco ou dos membros, um traumatismo craniano ou um quadro de hipovolémia que contra-indicam este tipo de analgesia.
Na pancreatite aguda um bloqueio epidural entre T7 e T9 controla a dor aguda, melhora a função respiratória, previne a vasoconstrição esplâncnica, relaxa o esfincter de Oddi e pode melhorar a irrigação de zonas isquémicas do pâncreas pelo que pode constituir uma indicação.

Contra-indicações
As principais contra-indicações para a analgesia epidural, são relativamente frequentes em doentes críticos o que limita em muito a sua realização.
São contra-indicações para analgesia epidural:
- Coagulopatias
- Infecção sistémica
- Infecção no local de punção
- Hipovolémia
- Hipertensão intracraniana
- Patologia neurológica
- Alergia aos anestésicos locais
- Deformidade da coluna vertebral
- Recusa do doente
- Doente não colaborante
Material necessário
- Material e fármacos de reanimação
- Soros e sistema de infusão
- Kit epidural constituído por:
- agulha de Tuohy
- catéter epidural
- conexão para seringa
- filtro antibacteriano
- seringa de baixa resistência
- Seringas e agulhas
- Campo e material esterilizado
- Solução desinfectante
- Soro fisiológico
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- Anestésicos locais:
- Lidocaína a 1%
- Lidocaína a 2% c/ adrenalina
- Penso transparente estéril
- Um assistente

Execução da técnica

A analgesia epidural implica a realização de uma epidural com eventual colocação de um catéter . É uma técnica que exige experiência por parte de quem a executa, devendo o treino ser realizado com supervisão de anestesista treinado em anestesia epidural. A epidural pode ser realizada a nível cervical, torácico, lombar ou caudal. É no entanto a nível lombar onde se realizam a maior parte das técnicas epidurais dado o menor risco de lesão da medula espinhal.
A execução da técnica a nível torácico e cervical exige que o executante tenha já experiência de
colocação a nível lombar.
Para além da necessidade de monitorização contínua das funções vitais, nomeadamente da frequência cardíaca, tensão arterial e oximetria de pulso durante a realização da técnica, é também obrigatório dispormos de todo o material e fármacos de reanimação no local onde se vai realizar a técnica.
A abordagem do espaço epidural pode ser realizado por via mediana ou paramediana.
A via mediana a nível lombar é a mais utilizada pelo que é a que adiante se descreve.
Para a realização de uma epidural é essencial:
- Explicar o procedimento e obter a colaboração do doente
- Garantir acesso venoso e fazer um preenchimento vascular, geralmente com lactato de Ringer 250 a 500 ml, para protecção contra a hipotensão após instalação do bloqueio simpático
- Respeitar uma assépsia total: execução da técnica com barrete, luvas e bata esterilizadas e em campo estéril
- Posicionar adequadamente o doente em posição de sentado ou decúbito lateral com as apófises espinhosas alinhadas no mesmo plano e com o máximo de flexão
- Desinfectar cuidadosamente a pele e colocar campo
- Definir a linha que une as cristas ilíacas, localizar a apófise espinhosa de L4 e entre L2 e L5 escolher o espaço mais favorável ou que se encontra mais perto do nível desejado
- Proceder a anestesia local e inserir agulha de Tuohy na linha média até sentir que a agulha tem uma maior resistência à entrada e fica firme, quando se larga, no ligamento interespinhoso
- Retirar o estilete e adaptar seringa de baixa resistência contendo soro fisiológico
(também se pode realizar com ar)
- Avançar progressivamente a agulha sentindo simultaneamente a resistência à sua entrada e a resistência à injecção do soro; ao atravessar o ligamento amarelo verifica-se uma grande resistência até que ocorre um ressalto na agulha por perda de resistência e súbita perda de resistência à injecção do soro, sinal de entrada no espaço epidural
- Dirigir o bisel da agulha para a direcção desejada pesquisando a manutenção da perda de resistência
- Desadaptar a seringa segurando a agulha com a mão não dominante e inserir cuidadosamente o catéter através da agulha (quando o catéter ultrapassa a ponta da agulha sente-se um ressalto); retirar a agulha após determinação do número de cm necessários para atingir o espaço epidural e deixar o catéter de modo a que fique 3 a 5 cm dentro do espaço epidural
- Verificar se não ocorre saída de liquor ou sangue pelo catéter
- Adaptar a conexão para a seringa com o filtro antibacteriano, aspirar ligeiramente
para confirmação que não há saída de liquor nem sangue e injectar prova teste
(Lidocaína 2% com adrenalina 3 ml)
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- Verificar que não ocorrem sinais de bloqueio sensitivo, taquicárdia ou hipertensão como resposta à prova teste e proceder à fixação do catéter com penso estéril
Durante a introdução do catéter através da agulha nunca se deve retirar o mesmo mantendo a agulha em posição, por haver risco de secção do catéter; quando é necessário retirar o catéter por dificuldade de introdução, cateterização de vaso ou outra razão, o catéter e a agulha devem ser retirados simultâneamente e repetir a punção.
Para realizar a analgesia epidural podemos utilizar anestésicos locais, opióides ou a sua combinação.
Com os anestésicos locais obtém-se uma analgesia excelente com melhoria da função gastrointestinal mas, para além do bloqueio da sensação dolorosa, estes fármacos podem provocar bloqueio de outras sensações, bloqueio autonómico e motor e podem produzir manifestações de toxicidade aos anestésicos locais particularmente se doses altas ou infusões
prolongadas.
Os opióides permitem a mobilização do doente, não provocam bloqueio autonómico e dispõem de possibilidade de antagonismo, no entanto existe grande variabilidade na resposta individual, os seus efeitos secundários são semelhantes aos observados quando administrados por via sistémica embora com menor incidência e entre os quais se inclui a possibilidade de depressão respiratória.
A combinação de um anestésico local com um opióide por via epidural produz um efeito sinérgico dado a via nociceptora ser bloqueada a vários níveis.
O modo de administração e doses necessárias para analgesia epidural variam consoante o tipo e a intensidade da dor, a idade, o estado físico, o local de injecção e a região que se pretende analgesiar pelo que as doses e modo de administração devem ser individualizados.
Os anestésicos locais mais utilizados em analgesia são a bupivacaína a 0,125% e a ropivacaína a 0,2% e a sua acção depende essencialmente do volume e local onde são administrados. O volume necessário pode variar de 5 a 15 ml/h.
Os opióides mais utilizados são o sufentanil e o cloridrato de morfina. Os opióides mais lipossolúveis como o sufentanil têm uma acção mais segmentar a nível regional mas a sua acção por absorção sanguínea é importante. As doses de sufentanil podem variar de 10 a 60 mcg cada 2 a 4 horas. A morfina é um opióide mais hidrossolúvel pelo que se difunde mais pelo liquor e tem uma acção predominantemente espinhal, sendo as doses necessárias muito mais baixas quando comparadas com as necessárias por via sistémica e eficaz mesmo quando administrada longe do local a analgesiar. As doses de morfina podem variar de 1 a 6 mg cada 8 a 24 horas.
Vigilância
Na analgesia epidural a vigilância envolve a determinação da eficácia da analgesia, dos efeitos secundários relacionados com os analgésicos utilizados e das complicações com o catéter inserido.
A observação do pulso, tensão arterial e frequência respiratória deve ser realizada de 30 em 30 minutos nas duas primeiras horas e depois de duas em duas horas. A monitorização, da dor em repouso e em o movimento, da capacidade motora e do bloqueio sensitivo devem ser registadas regularmente.
O local de inserção do catéter deve ser inspeccionado regularmente uma vez por dia, ou sempre que surjam dúvidas sobre o correcto posicionamento do catéter, a fim de despistar sinais inflamatórios, de infecção, exteriorização ou perda de analgésico/anestésico.
O filtro antibacteriano deve ser substituído cada 48 horas a menos que se utilizem filtros de duração semanal. Quando se prevê necessidade de analgesia por mais de sete dias o catéter deve ser tunelizado.
As doses e as concentrações utilizadas na analgesia devem ser registadas regularmente.
Os cuidados e atitude a tomar em caso de complicações devem estar protocolizadas.

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Complicações
As complicações relacionadas com a execução da técnica ou colocação do catéter epidural são múltiplas e variam de minor a potencialmente muito graves sendo estas extremamente raras desde que se respeitem as contraindicações.
Complicações relacionadas com a técnica e/ou analgesia:
- Alterações de ritmo cardíaco
- Hipotensão
- Náuseas e vómitos
- Prurido
- Retenção urinária
- Depressão respiratória
- Tremores
- Convulsões
- Alterações do estado de consciência
- Analgesia insuficiente
- Dor durante a colocação
- Lombalgias/ toracalgias...
- Cefaleias
- Lesão neurológica medular/ radicular
- Infecção – Meningite/ abcesso epidural
- Hematoma epidural
- Toxicidade aos anestésicos locais
- Injecção intravascular
- Injecção subaracnoideia
- Raquianestesia total

Bibliografia
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8- Jonathan L. Benumof. Clinical Procedures in Anesthesia and Intensive Care - 1992
9- Lippincott-Raven Interactive Anesthesia Library on CD-ROM version 2.0 – 1997

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