quarta-feira, 18 de junho de 2008

DRENAGEM TORÁCICA

Posted on 00:23 by oncare

Margarida Resende
UCI - Hospital da Cruz da Vermelha, Lisboa

Introdução
. A colocação de um dreno torácico é um procedimento corrente que pode ser realizado com
segurança numa Unidade de Cuidados Intensivos.
. Utiliza-se geralmente para aspirar ar ou líquido da cavidade pleural, mas também pode ser útil
para introduzir substâncias “esclerosantes”, prevenindo a reacumulação de líquido nos
derrames recorrentes ou a recidiva de um pneumotórax.
. Também se utilizam cateteres pleurais de pequeno calibre para introduzir na cavidade pleural
agentes anestésicos e reduzir a necessidade de analgesia sistémica após toracotomia.



Tabela 1. Algumas indicações para colocação de drenagem torácica
Pneumotórax
Primário ou espontâneo
Secundário
DPOC
Pneumonia
Abcesso/Empiema
Neoplasia
Iatrogénico
Colocação de cateter central
Biópsia pulmonar/pleural
Ventilação mecânica
Hemotórax
Traumático
Ferida penetrante
Ferida não penetrante
Biópsia pulmonar/pleural
Não traumático
Enfarte pulmonar/embolia
Abcesso
Empiema
Pneumonia
Abcesso
Pós toracotomia
Derrame pleural recorrente
Neoplásico
Cardíaco
Para escleroterapia
Quilotórax
Cirurgia torácica
Neoplasia
Colocação de linha venosa central
Hiperextensão súbita do pescoço
Vómito ou tosse violentos
Outras indicações
Anestesia
Quimioterapia
Malformação artério-venosa
Neoplasia
Coagulopatia

Pneumotórax
. Por definição, existe pneumotórax quando há acumulação de ar na cavidade pleural,eliminando a pressão negativa normal e fazendo com que o pulmão perca contacto com a parede torácica e colapse.
. Um pneumotórax pequeno em pulmões sem lesão parenquimatosa pode ser reabsorvido pela
circulação pleural e permitir que o pulmão volte a expandir.
. Se há lesão parenquimatosa ou o pneumotórax tem dimensões apreciáveis e causa dificuldade respiratória, deve ser evacuado por aspiração ou drenagem torácica.
. O pneumotórax espontâneo, embora seja uma situação relativamente comum, raramente leva a internamento em Cuidados Intensivos a não ser que surja uma complicação.
. Um pneumotórax iatrogénico, pelo número de procedimentos realizados numa UCI, é uma situação frequente e que, pelo menos em doentes submetidos a ventilação mecânica, quase sempre obriga a drenagem torácica. Para além da colocação de linhas centrais e ventilação mecânica, outras causas de pneumotórax iatrogénico são a toracocentese, reanimação cárdiorespiratória, entubação endo-traqueal, colocação de sondas naso-gástricas, broncoscopia e
biópsia pleural.
. Um pneumotórax sob tensão é uma situação urgente que causa compromisso hemodinâmico grave. Ocorre sobretudo em doentes ventilados e com Peep e o ar no espaço pleural aumenta em cada ciclo respiratório, aumentando a pressão e levando a desvio do mediastino de forma a que diminui o retorno venoso e o débito cardíaco.
. Clinicamente há desvio da traqueia para o lado oposto, ausência de movimentos respiratórios
e murmúrio vesicular no lado afectado, aumento da sonoridade à percussão, distensão jugular,
hipotensão, taquicárdia, hipoxémia.
. É urgente a colocação de um dreno torácico e, enquanto se prepara o material para a
drenagem, deve colocar-se uma agulha nº 14 ou 16 no 2º espaço intercostal anterior, na linha
médio-clavicular, o que vai permitir aliviar a pressão intra-pleural e evitar maior compromisso
hemodinâmico.

Hemotórax
. Hemotórax é a acumulação no espaço pleural de líquido com um hematócrito de pelo menos
50% do hematócrito do doente.
. O hemotórax espontâneo, não traumático é raro. Pode estar associado a um pneumotórax
espontâneo, a malformação artério-venosa ou alterações graves da coagulação.
. O hemotórax traumático é muito mais comum e pode ser uma situação de extrema urgência.
Mais importante que drenar o hemotórax, pode ser a estabilização hemodinâmica do doente e
a administração de volume.
. Se o hemotórax é de grandes dimensões (opacificação de todo um hemitórax), está contraindicada a colocação de um dreno fora do bloco operatório e o mais correcto será proceder a
uma toracotomia para controlar a causa da hemorragia.

Trauma
. Um doente politraumatizado com lesão torácica, dificuldade respiratória e enfisema
subcutâneo tem quase seguramente indicação para drenagem torácica urgente mesmo sem
outra avaliação prévia.
. No entanto deve dar-se prioridade à tentativa de estabilização hemodinâmica e respiratória e
devem obter-se RX que confirmem a indicação para drenagem.
. Um hemotórax maciço (opacificação de todo um hemitórax) pode estar a tamponar a fonte de
hemorragia e só deve ser drenado depois de estabilizar o doente ou com o apoio de um
cirurgião capaz de realizar uma toracotomia de urgência.

Empiema
. Empiema é uma colecção de líquido infectado, purulento no espaço pleural. Está
normalmente associado a uma pneumonia necrosante, um abcesso pulmonar ou a uma
infecção pleural pós toracotomia. Pode também ser secundário a uma ferida penetrante do
tórax ou ruptura do esófago.
. É essencial uma toracocentese para fazer o diagnóstico de empiema, que obriga sempre à
colocação de um dreno torácico.
. Se o líquido aspirado não for claramente purulento, um empiema é definido por uma glicose <> 1000 IU/ L.
. Um empiema está frequentemente septado e pode ser necessário definir, por ecografia ou
TAC a sua localização exacta.
. Um empiema que não resolve completamente com drenagem adequada e antibioterapia,
pode necessitar pleuroscopia, tratamento cirúrgico ou descorticação.
Derrame pleural
. Têm indicação para drenagem os derrames pleurais de grandes dimensões que causam
dispneia ou dificultam o desmame de ventilação mecânica.
. Os derrames volumosos devem ser drenados devagar (não mais que 1000 ml em 30‘), para evitar alterações de reexpansão (edema pulmonar) no pulmão colapsado.
. Se há recorrência do derrame com necessidade de drenagens repetidas (ex.: derrames neoplásicos), pode haver indicação para colocação de um dreno torácico com o objectivo de conseguir uma pleurodese. Faz-se a injecção de um agente esclerosante (ex.: tetraciclina), normalmente precedido da introdução de um anestésico (lidocaína ou bupivacaína).

Quilotórax
. É uma situação rara, normalmente secundária a lesão cirúrgica, trauma, invasão neoplásica ou punção inadvertida do canal torácico por tentativa de canalização da veia subclávia esquerda.
. Se tem dimensões apreciáveis, tem indicação para drenagem torácica numa tentativa de tratamento conservador. Cerca de 50% dos casos acabam por necessitar tratamento cirúrgico.

Escleroterapia
. Consiste na introdução no espaço pleural, através do dreno que serviu para drenagem completa do derrame que pretendemos tratar, de uma substância esclerosante que, levando à aderência dos folhetos parietal e visceral (pleurodese), evite a recorrência do derrame.
. Há várias substâncias utilizadas para “pleurodese química”, mas os melhores resultados parecem ser com a tetraciclina.

Contra-indicações
. Não há contra-indicações absolutas para a colocação de uma drenagem torácica, mas algumas contra-indicações relativas e algumas situações em que devem ter-se alguns cuidados.
. Se há alterações importantes da coagulação (aumento do TP, TTP ou trombocitopénia), estas devem ser corrigidas antes do procedimento.
. Numa situação de emergência, deve pelo menos administrar-se plasma fresco congelado ou concentrado plaquetário durante a colocação da drenagem.
. Em doentes com enfisema, pode, no RX de tórax, confundir-se uma grande bolha de enfisema com um pneumotórax. A colocação de um dreno não tem qualquer indicação nesta situação e é uma agressão desnecessária para o doente.
. Uma atelectasia importante com derrame pleural considerável pode ser consequência de oclusão de um brônquio lobar. No RX tórax há derrame pleural unilateral sem desvio do mediastino. Nestas situações, a drenagem rápida do derrame sem resolução prévia da obstrução, pode levar a desvio do mediastino com compromisso hemodinâmico.
. Nos doentes com toracotomia prévia, a inserção de um dreno intercostal deve ser feita com particular cuidado pela provável existência de aderências pleurais ou elevação do diafragma.
. Um hemotórax maciço pode ser contra-indicação para colocação de uma drenagem torácica
fora do bloco operatório. O sangue acumulado pode estar a tamponar a origem da hemorragia
e a inserção de um dreno pode precipitar uma hemorragia difícil de controlar. Nestas situações
é mais seguro ter o apoio de um cirurgião capaz de fazer uma toracotomia de urgência se necessário.

Procedimento
. Como em todos os procedimentos, devem sempre analisar-se os riscos e benefícios da colocação de um dreno torácico. Num pequeno pneumotórax após colocação de um cateter venoso central, a colocação de um dreno dependerá do compromisso respiratório e hemodinâmico do doente, enquanto que num grande traumatizado com pneumotórax é quase obrigatória a colocação urgente de uma drenagem.

Tabela 2. Material necessário para colocação de uma drenagem torácica
Bata, luva, máscara e touca esterilizadas
Campos e pensos esterilizados
Lidocaína a 1% ou 2%
Seringa 10 ml e agulhas 25 e 22 para anestesia
Seringa 10 ml e agulha para toracocentese
Sedas para sutura
Pinças de Kelly (2 grandes e 2 médias)
Tesoura ou lâmina
Taça para desinfectante
Compressas esterilizadas
Sistema de drenagem e aspiração com níveis líquidos apropriados
Tubo de drenagem (12 a 42 Fr)

. O material necessário (Tabela 2) deve estar sempre acessível na Unidade de Cuidados Intensivos. A escolha do tubo de drenagem depende do material a drenar. O tubo é de plástico
transparente com múltiplos orifícios laterais no seu terço distal e uma linha rádio-opaca ao longo de todo o comprimento, para identificar facilmente a sua localização na cavidade pleural.
. Para drenagem de um pneumo, hemo ou hemopneumotórax traumático deve utilizar-se um tubo largo (36 a 40 Fr), enquanto que para um pneumotórax espontâneo não complicado deve
usar-se um tubo de pequeno calibre (12 a 22 Fr).
. Há tubos de drenagem torácica com um guia de metal rígido, muito fáceis de usar se tivermos
presentes os cuidados a ter na sua colocação. Sobretudo não deve avançar-se o guia metálico após penetração na cavidade pleural, mas este deve apenas servir de suporte para fazer avançar o tubo de plástico. De outra forma há o risco de lacerar o parênquima pulmonar ou mesmo de deixar uma drenagem “intra-parenquimatosa”.

Sistema de drenagem
. Antes de colocar o dreno, devemos preparar o sistema de drenagem. Deve ser sempre um sistema fechado, os tubos devem ter calibre suficiente para drenar qualquer espécie de fluido e
devem adaptar perfeitamente para que não haja qualquer entrada de ar.
. O sistema mínimo de drenagem torácica inclui pelo menos um frasco com um nível de água
onde mergulha a extensão do dreno torácico e uma abertura para o exterior ou para um
sistema de aspiração contínua de baixa pressão.
. O sistema desejável de drenagem compõe-se de 3 frascos em sequência: o primeiro para drenar o conteúdo pleural, o segundo com um nível de água que previne o retorno de ar para a pleura durante a fase inspiratória de pressão negativa e o terceiro com um nível de água proporcional à pressão de aspiração que pretendemos. Há sistemas completos de 3 frascos comercializados numa única peça de plástico, muito seguros, cómodos e fáceis de transportar.

Técnica cirúrgica
. Sempre que possível deve fazer-se pré-medicação com um analgésico e um sedativo depois de explicar ao doente o procedimento a realizar.
- Local de inserção
1. Ar livre - o dreno é inserido no 4º ou 5º espaço intercostal, na linha axilar anterior. Esta incisão evita estruturas vitais e não implica a penetração dos músculos peitorais que pode ser dolorosa, difícil e inestética.
Fig.1 –Local de inserção de um dreno torácico para drenagem de ar ou líquido livres
2. Líquido livre – o dreno deve ser inserido na linha axilar anterior, abaixo do nível do líquido o que pode ser determinado pela clínica, RX tórax (Fig.1) ou, com mais precisão, por ecografia.
3. Ar ou líquido septados – o dreno tem de ser colocado no local da colecção pleural. Pode ter de ser num espaço intercostal posterior e pode necessitar do apoio de cirurgia.

- Posição do doente
Como os drenos intercostais são quase invariavelmente colocados na linha axilar anterior,
o doente deve estar posicionado em decúbito dorsal, com o hemitórax a drenar
ligeiramente elevado com uma almofada, e o membro superior flectido sob a cabeça e
preso para que mantenha sempre a mesma posição.

-Técnica
1. Desinfectar a pele com técnica cirúrgica e usar bata, touca, máscara e luvas esterilizadas.
2. Para confirmar o local adequado fazer sempre primeiro uma toracocentese no local de colocação do dreno.
3. Anestesiar a pele e tecido subcutâneo com Lidocaína a 1% ou 2%, num túnel ascendente que começa 1 ou 2 dedos abaixo do bordo superior do arco costal seleccionado.
4. Fazer uma incisão na pele e dissecar a gordura e tecido sub-cutâneo com tesoura de dissecção, no sentido ascendente. Deve fazer-se um túnel onde passe o indicador, injectando Lidocaína conforme necessário.
5. Quando se palpa o arco costal e a parede torácica através do túnel, deve injectar-se mais anestesia para infiltrar o músculo intercostal , o periósteo e finalmente a pleura, normalmente ao mesmo tempo que se aspira o conteúdo da cavidade pleural.
6. Com a tesoura de dissecção, abrir o músculo e a pleura de forma a poder introduzir o indicador para explorar a cavidade pleural, antes de introduzir o dreno (Fig.2).
7. Ter o cuidado de não ultrapassar o bordo superior do arco costal, para evitar o nervo e vasos intercostais que passam no bordo inferior do arco costal imediatamente superior.
8. Com o indicador, explorar a cavidade pleural à volta da incisão para excluir pulmão, diafragma ou aderências.
Fig. 2 Fig. 3
9. Medir e marcar o dreno torácico de forma a saber o comprimento preciso que deve ser introduzido: para drenar um peumotórax livre o dreno deve ser avançado em direcção ao vértice do pulmão, enquanto que para drenar líquido e tendo feito a inserção tão baixa quanto possível, deve orientar-se o dreno no sentido póstero-basal e introduzir na cavidade pleural apenas 2 ou 3cm de forma a favorecer a drenagem por gravidade.
10. Introduzir finalmente a extremidade do dreno, com o auxílio de uma pinça de Kelly, através
do túnel e até à marca feita previamente. Para avançar o dreno até ao vértice pulmonar, roda-se a pinça 180º após entrada na cavidade pleural (Fig.3). O dreno deve estar clampado na sua extremidade distal para evitar entrada de ar do exterior.
11. Fixar o dreno à pele com um ponto em “U” de forma a que, quando mais tarde se retire a drenagem, possa suturar-se a incisão no mesmo acto.
12. Conectar o sistema de drenagem previamente preparado e só depois disso desclampar o dreno.
13. Confirmar a saída de ar ou líquido, rítmica com a expiração do doente.
14. Confirmar com RX tórax um posicionamento adequado e uma drenagem eficaz com
reexpansão do pulmão.

Manutenção
. A drenagem torácica deve ligar-se a um sistema de aspiração de baixa pressão para evacuar eficazmente a cavidade pleural e promover a aderência de ambos os folhetos pleurais.
. A pressão utilizada é de cerca de 10 a 20 cm de água.
. Como com qualquer outro dreno ou procedimento invasivo, a drenagem só deve permanecer o tempo suficiente para drenar todo o ar ou líquido existente na cavidade pleural.
. Num pneumotórax mantem-se o dreno enquanto houver saída de ar e até controlo radiológico que confirme a reexpansão do pulmão. Se a tosse forçada não provoca qualquer saída de ar, pode manter-se aspiração durante mais 12 a 24 horas e retirar a drenagem.
. Num derrame pleural ou hemotórax, retira-se normalmente o dreno quando o volume drenado é inferior a 100 ml/24 horas.
. No caso de um empiema, deve obter-se completa resolução, radiológica e clínica, do processo infeccioso.
. Apesar de uma drenagem eficaz, o conteúdo da cavidade pleural pode organizar-se ou septar e justificar a realização de uma pleuroscopia, drenagem cirúrgica ou descorticação. A TAC torácica e a Ecografia são, nestes casos, de extrema utilidade para um diagnóstico correcto.

Bibliografia:
1. Thomas J. Iberti, MD, and Philip M. Stern, MD: Chest tube thoracostomy. In Procedures in the ICU - Critical Care
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2. Pezzella TA, Marsicano TH: Chest tube insertion and care. In Rippe JM, Irwin RS, Alpert JS, et al (eds): Intensive
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3. Swensen SJ, Peters SG, LeRoy AJ, et al: Radiology in the intensive care unit. Mayo Clin Proc 66(4):396, 1991
4. Light RW: Pleural diseases, ed.2. Philadelphia, Lea & Febiger, 1990
5. Miller KS, Sahn FA: Chest tubes: Indication, technique, management and complications. Chest 91:258, 1987

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